AUTOCONSTRUÇÃO, UMA FALSA ECONOMIA

A qualidade de uma moradia influencia diretamente na qualidade de vida do seu habitante. A sensação de bem-estar deste usuário pode estar relacionada com a ausência de problemas em sua casa, ou ainda à ausência da necessidade de despender gastos extras para reformas, reparos e reconstruções. As complicações provenientes de uma construção mal executada vão além do aspecto estético e podem estar intimamente ligadas à saúde e segurança daqueles que nela residem. Porém, a necessidade de construir nem sempre caminha aliada às condições de um bom investimento financeiro para contratar profissionais para projetar, adquirir insumos de qualidade e fiscalizar a boa execução de uma obra. Os métodos construtivos utilizados são muitos e de diferentes custos para o proprietário. Um método popular, informal e de baixo custo de construir ou reformar é denominado autoconstrução, no qual a mão de obra utilizada é a familiar ou de profissionais não qualificados. Nesse método, muitas vezes inexistem projetos e/ou fiscalização feitos por profissionais de engenharia e arquitetura. No Brasil, é comum observar construções executadas sem a presença do engenheiro, seja no ato do projeto ou na fiscalização da execução da obra. Em alguns casos este profissional se encontra em apenas uma fase, normalmente na realização do projeto inicial da edificação, e as demais fases são de responsabilidade de mão de-obra informal de construção. A falta de qualificação e de planejamento presentes nas obras de autoconstrução acarretam recorrentes transtornos. Alguns exemplos muito comuns são as patologias das construções, como as infiltrações, trincas, descolamento de peças cerâmicas, descascamento de tinta, má instalação de peças e utensílios sanitários que geram retorno de gases e odores. O ideal para a solução de cada problema é o diagnóstico do real motivo e posterior reparo por profissional qualificado. Mas, em contraposição, é mais comum que sejam feitas reformas superficiais novamente sem apoio profissional, que, nas ocasiões em que efetivamente resolvem o problema, futuramente necessitarão de manutenção excessiva ou de retrabalho.  

No Brasil, a norma NBR 15575 (2013) prevê e considera as questões de desempenho e qualidade nas habitações, levando em consideração os pontos de segurança, habitabilidade e sustentabilidade. Tais aspectos devem ser respeitados e, na maioria das vezes, na autoconstrução isso não acontece. As atribuições profissionais dos engenheiros e arquitetos são desconhecidas por muitos e englobam questões além dos projetos e plantas, no entanto a presença do engenheiro é considerada “artigo de luxo” dentro de uma obra, e é normalmente deixada de lado antes mesmo que se faça uma análise de custo/benefício. Uma pesquisa apresentada por Datafolha e CAU-BR (O MAIOR DIAGNÓSTICO SOBRE ARQUITETURA E URBANISMO FEITA NO BRASIL, 2015) aponta que 85% dos 2.419 brasileiros entrevistados que fizeram reformas ou construíram edificações não utilizaram um engenheiro ou um arquiteto em nenhum momento da obra. Dos 15% que utilizaram o serviço, quase 80% ficaram satisfeitos. De acordo com Mansur (2015), as pessoas que mais precisam de projetos são as que menos utilizam, uma vez que isso gera cerca de 20% de economia e evita o retrabalho e ócio na obra. 

Um exemplo notável é a autoconstrução nas favelas brasileiras, onde as condições de conforto e bem-estar interno dos moradores não são levados em conta, tendo em vista que alguns dos prédios ou casas são construídas fora dos padrões de legalidade municipal e das normas construtivas. Recentemente, dois prédios de cinco pavimentos autoconstruídos ilegalmente em Muzema, no estado do Rio de Janeiro, colapsaram (Figura 1), podendo ser usados para exemplificar as consequências da falta de planejamento. Na tragédia, 24 pessoas foram atingidas e nove morreram. Outros fatores muito negativos são a ausência de saneamento, com despejo de esgoto diretamente nos rios ou correndo em vias públicas a céu aberto; a utilização ilegal de serviços popularmente conhecidos como “gatos” e a ocupação de áreas de preservação. Esta desenfreada ocupação da área urbana acarreta a contaminação de mananciais superficiais e subterrâneos em razão do inadequado atendimento de serviços de saneamento, inundações urbanas devido à ocupação de área de risco e pela da drenagem urbana totalmente imprópria. Tudo isso é evitado quando há um planejamento por profissionais da área, no qual o objetivo é, como citado por Peurifoy (2015), “minimizar os gastos dos recursos exigidos para completar o projeto com sucesso e garantir que os serviços sejam prestados de maneira segura.”  

Figura 1. Esquema comparativo dos prédios que colapsaram em Muzema-RJ. Reprodução: G1 (Prédios improvisados se proliferam em favelas e viram bons negócios, 2019)

Uma situação muito importante que costuma ser esquecida é a de fiscalização. Além da fiscalização feita pelo próprio engenheiro contratado, existe a fiscalização pública para as obras particulares. O fiscal é responsável por inspecionar quaisquer tipos de obras civis (construções, terraplanagens, demolições, etc.) quanto ao cumprimento do código de obras e do plano diretor municipal, reprimir o exercício irregular e clandestino, orientar e apurar denúncias quanto às legislações.  

Foi realizado um estudo de caso avaliativo de uma obra já concluída e executada sem a presença de um Engenheiro Civil durante a elaboração de projetos e desenvolvimento da obra, e com a presença de apenas uma Arquiteta para a elaboração de um desenho arquitetônico simples e informal da casa. Em tal estudo poderá ser percebido a importância de um planejamento adequado para qualquer tipo de obra.  

Por meio de entrevistas ao proprietário e visitas ao local, foi informado que patologias começaram a surgir desde o primeiro mês de entrega da casa. Além disso, durante a execução da obra, ocorreram falhas construtivas, retrabalho, descumprimento do prazo e dos cronogramas acordados entre construtor-proprietário e aumento significativo no orçamento inicial. Patologias pontuais foram identificadas e valem a pena serem ressaltadas. A primeira delas é a queda de água no piso do banheiro, composto por peças cerâmicas. No banheiro, toda a água se encontra empoçada atrás do vaso sanitário, enquanto o ralo está do lado oposto. Isso é recorrente da má execução da fase de nivelamento do piso ou da instalação das peças cerâmicas. Para reparar tal patologia, é necessário remover o piso, refazer o nivelamento e reinstalar as peças cerâmicas. Dificilmente se consegue reutilizar as peças retiradas e também existe o gasto com mão de obra e material de construção a ser utilizado. A segunda patologia é a utilização de madeira verde, responsável por empenamentos e fissuras. Foram encontradas frestas de até 2cm de extensão, causadas pelo assentamento da madeira secada de forma incorreta ou incompleta em serviço. A patologia não causa dano estrutural, no entanto causa um risco funcional relacionado à saúde dos usuários, que podem acidentar-se com o desnível do piso. Além disso, pode ser favorecido o aparecimento de animais ou proliferação de pragas e está comprometendo a qualidade estética da edificação. Para correção, o ideal seria retirar o material e substituí-lo por outro devidamente tratado e adequado para a instalação, o que acarretaria mais prejuízos ao proprietário. A terceira patologia encontrada é em relação ao sistema de iluminação, onde foi observado a existência de um único interruptor para diferentes áreas da casa, causando desconforto de caminhar por amplos cômodos para encontrar interruptores longe das entradas e estresse ao usuário, reduzindo a qualidade da edificação. 

Por fim, dados quantitativos mostraram um aumento de 221,4% no valor total da obra inicial. De R$ 92.592 o valor subiu para R$ 205.000,00 no final. Se houvesse a presença de um engenheiro, os transtornos seriam reduzidos, uma vez que o engenheiro também trabalha atuando como gestor e promovendo as adequações das alterações feitas com que dizem respeito às novas dimensões da casa no cronograma e orçamento inicial, além de se responsabilizar por registrar as movimentações no canteiro e garantir que o projeto proposto seja cumprido corretamente. Portanto, conclui-se que todos os transtornos são consequência não só da falta de projeto e planejamento, mas também pela cultura de ausência de um profissional de engenharia acompanhando o desenvolvimento da obra, julgada como um custo extra desnecessário.  

O artigo acima foi baseado no Trabalho de Conclusão de Curso produzido e defendido pela aluna da UFOP Letícia Abranches Novaes que se encontra no anexo abaixo.

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